Estou andando por Paraty e meus joelhos doem. O dia está nublado, mas o calor é quase insuportável. A gola alta do macacão pinica o pescoço, a barra quase roça as pedras ainda úmidas da chuva, denunciando que a qualquer momento posso cair.
Não podemos todos cair?
É a primeira vez que piso nesta cidade desde a última edição da Flip, no longínquo 2019. A missão é me divertir. Não quero correr o risco de deixar meu carnaval desembocar no marasmo, mas também não preciso forçar. Deixar as coisas irem devagar, sem trancos e barrancos.
Faço uma hora na praça, espero L., torço para que P. entre na festa, me surpreendo ao olhar para o passado e saber que as coisas ficam calmas feito um iceberg que se desprende e cai no mar, boiando, rumo ao fim do degelo.
Encontro Z. e falamos de degelo.
Eu te amo, ela diria mais tarde, e essa é a única vez que vou falar isso. Nós dois sabemos que é verdade, mas também não — amigos dizem eu te amo com um jantar numa cidade bonita, os olhos, o livro, as flâneries, Copacabana. Muita coisa também diz do amor. Principalmente o silêncio — bem diferente do barulho surdo de uma pedra rachando, a gravidade que puxa a superfície de encontro ao mar — o tempo do gelo é outro, o tempo da água, da brisa, a mesma substância, mas em níveis diferentes.
Fica tudo assim. Equivocado. Estático.
Voltar à Flip é voltar a uma possibilidade. Escrevo isso enquanto Maria Isabel me olha, e sinto que passei quatro dias distante do mundo. Uma viagem a outro planeta: mais gentil, menos corrompido, cheio de uma alegria que não me parece ser possível – aqui, de outro modo, dessa forma.
Soa quase inverossímil o passado recente: semanas e meses grudado em casa, a ausência dos corpos, o mundo no ruído de uma tela. Quase não gosto. Penso que aquele menino de dois mil e vinte acharia um absurdo. No entanto, estou aqui. O gelo também anima a superfície. A água vai, se move, se espalha para todos os lados.
Jovem é coisa de jovem, alguém me diz, e eu tuíto. Espero a música noutro dia, corro para a caixinha de som, abro os braços, deixo que no íntimo eu me contagie. Mais tarde, sentindo um torpor estranho, braços algodoados, digo a L. que está funcionando, ao que ela sorri e diz Viu, é isso, e penso imediatamente: não pode ser isso.
Mas o torpor continua.
Não some quando vou embora, após me isolar por alguns minutos no Pontal, no fim da trilha de pedra, celular na mão, confuso, lembrando, e encontro J. comendo pastel – ao contrário, se intensifica. Algo que diz: é aqui, agora. Vá.
Deixo para trás qualquer dose de tristeza, me lembro da véspera, a Coca-Cola na festa para aguentar as horas por vir, o rosto de M. vermelho de tanto dar risada, H. me abraçando, o mundo g i r a n d o d e v a g a r.
Não para.
Um iceberg cai no mar e nem barulho fica. Os pinguins estão ocupados com os peixes, a ventania. No ônibus, na altura da Maré, uma viatura desvia o trânsito. Diante da estação, algumas pessoas olham; duas ficam junto a um saco preto rodeado de estilhaços.
Descemos no Rio no fim de tarde.
Ainda está claro. Mas o que eu vi sobre o asfalto me disse tanto quanto o gelo na superfície: acabou.
Sabendo que sempre alguma coisa fica.
Resumo da alegria.
É isso. Semana que vem talvez tenha mais.
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Beijos e até a próxima ❤️