Terraleste #77, Os melhores livros de 2022
Li 116 livros em 2022. Eis os melhores — e a lista completa.
Foram 116 livros lidos em 2022 (a lista está no final do post), portanto é chegada a hora de destacar: os melhores editados no Brasil pela primeira vez em 2022 e os melhores lidos em 2022, mas lançados em outros anos.
Ao final, se você curtir — ou tiver algum comentário —, basta responder esse e-mail :)
Primeiro, gostaria de fazer um destaque especial para o Círculo de Poemas, parceria da Luna Parque com a Fósforo. É uma das melhores coisas rolando no mercado editorial, a cada mês você recebe uma caixa contendo um livro e uma plaquete. São incríveis. Vocês vão ver que alguns desses títulos estiveram presentes na minha lista de melhores do ano, mas queria deixar aqui uma menção ao projeto como um todo, que, para 2023, promete volumes de nomes como William Carlos Williams e Ana Martins Marques. Coisa fina.
Um livro publicado em 1939 foi a melhor leitura do ano, disparado: “A estrela sobe”, de Marques Rebelo, em que uma jovem do subúrbio decide se tornar uma estrela do rádio. Suco de Rio de Janeiro, ironia muito carioca e uma prosa impossível de largar. Esse romance reuniu tudo, tudo que busco num bom livro: uma história cativante, um narrador ótimo, personagens imbatíveis e escrita irresistível.
Alguns livros foram lidos antes de serem publicados, outros ainda estão no prelo — e alguns são ótimos originais que espero ver nas prateleiras assim que possível [livros não publicados ainda são livros].
Sobre os negritos da lista: os que mais se destacaram, espécie de longlist para me guiar quando eu fosse eleger os melhores do ano.
Avisos dados, vamos aos livros.
Feliz 2023 ❤
OS MELHORES LIVROS PUBLICADOS EM 2022
i. Diorama, Carol Bensimon
Fim de verão, Paulo Henriques Britto
Diquixi, Edimilson de Almeida Pereira
O romance de Carol Bensimon, seu primeiro depois de ganhar o Jabuti, me encantou tanto, mas tanto que mal consegui dar conta na resenha que escrevi para O Globo [leia aqui, se quiser]. É um romance baseado num crime real que sacudiu Porto Alegre no fim dos anos 1980, mas Carol narra tão bem, e com tantos detalhes — como se não bastasse, ainda tem a questão LGBTQIA+ muito bem construída. Aconselho que leiam no escuro, sem pesquisar nada. Vão se surpreender.
Novo livro de Paulo Henriques Britto, na minha opinião o nosso maior poeta vivo, “Fim de verão” traz os versos mais cortantes de sua bibliografia. A desilusão com o Brasil bolsonarista parece ser o mote para poemas luminosos, que trazem as velhas contemplações sobre a vida e [auto]traduções que esticam a corda da beleza o máximo possível — a brincadeira com Emily Dickinson é coisa de gênio.
A plaquete de Edimilson de Almeida Pereira saiu no já referido Círculo de Poemas, e é uma pancada. Não tem nem 20 páginas e diz muito, diz tanto. Ainda não me recuperei.
ii. Agora agora, Carlos Eduardo Pereira
Segunda casa, Rachel Cusk [trad. Mariana Delfini]
A água é uma máquina do tempo, Aline Motta
Três baita livros sobre investigações familiares e a memória. Em seu segundo romance, o carioca Carlos Eduardo Pereira traça um painel de três gerações de uma família negra corroída pela raiva e pelo ódio. Talvez seja o livro que foi mais fundo no pesadelo bolsonarista, uma aula de narrativa e de impiedade — as páginas finais são uma coisa.
O livro de Rachel Cusk, na ótima tradução de Mariana Delfini, responsável por verter Carrère, entre outros, parte das memórias de Mabel Dodge Luhan sobre o escritor D.H. Lawrence para traçar um panorama de M, mulher de meia-idade, e as expectativas do mundo — para si, sobre si. Um livro que teve menos destaque do que deveria, e mantém o sarrafo levantado com a trilogia “Esboço” lá no alto. Leia aqui minha entrevista com Rachel Cusk, no Estadão.
O longo poema de Aline Motta dialoga com outras artes numa genealogia da própria família, indo até o século XIX e lidando com questões importantíssimas, como a memória negra. Um livro que é Brasil purinho, assim como o de Carlos Eduardo Pereira. Ambos poderiam ser lidos em conjunto.
iii. Humanos exemplares, Juliana Leite
A vida futura, Sérgio Rodrigues
Eu sou o monstro que vos fala, Paul B. Preciado [trad. Carla Rodrigues]
Sair da piscina, Victor Squella
O segundo romance de Juliana Leite realiza uma operação narrativa sofisticada: emular a voz de uma mulher centenária mantendo a recuperação da infantilidade após uma vida inteira. Um livro lindo, cujos rasgões no tecido deixam ver todo o horror do Brasil — antes e agora.
Sérgio Rodrigues já havia lidado com outros mitos brasileiros, Pelé e o futebol como um todo, antes de se dedicar a Machado de Assis. Aqui, o escritor-defunto retorna ao Rio de Janeiro com o parceiro José de Alencar numa aventura improvável, que discute alguns dos principais temas do debate público sem jamais perder o fio do humor — e que humor: a parte do baile funk é de chorar de rir.
“Eu sou o monstro que vos fala”, de Paul B. Preciado, em tradução de Carla Rodrigues, é o resultado de uma palestra que deixou psicanalistas franceses em polvorosa. A escrita ferina do autor trans reforça a necessidade de falarmos sobre os entrelugares de gênero, e tem uma qualidade inversamente proporcional ao tamanho. Uma bomba curta e precisa que explode sem dó, cada vez mais firme na direção do questionamento: quem disse que vocês estão certos?
Victor Squella é um dos melhores discípulos de Paulo Henriques Britto. “Sair da piscina”, seu segundo livro, é uma joia de beleza e concisão, dialogando com os gregos em uma tensão que nunca se dissipa. Daqui a alguns anos provavelmente vai ser um desses nomes obrigatórios da poesia contemporânea.
iv. Via Ápia, Geovani Martins
O antigo futuro, Luiz Ruffato
O manto da noite, Carola Saavedra
O acontecimento, Annie Ernaux [trad. Isadora de Araújo Pontes]
Um longo bloco para falar de memória e pertencimento. O primeiro romance de Geovani Martins é um mergulho vertiginoso na rotina da Rocinha às vésperas da implementação da UPP, no início da década passada. Embora muito longo, é mais regular do que “O sol na cabeça”, e a escrita do carioca torna impossível largar a história do grupo de jovens amigos que se deparam com a cidade cerzida.
Luiz Ruffato retorna em “O antigo futuro” com um romance que retrocede diversas gerações dos Bortoletto para contar não só Cataguases, mas o legado que os pais deixam para os filhos — e a sensação indelével de se sentir estrangeiro em qualquer lugar do mundo. A primeira parte tem seus problemas, mas depois engrena e vai bonito até o fim. Vale muito.
Carola Saavedra pegou um atalho na cena do carnaval em “Com armas sonolentas” e mergulhou nas profundezas do seu realismo onírico. Tudo em “O manto da noite” é sonho, é realidade, e o projeto da autora radicada na Alemanha ganha um novo fluxo, cheio de camadas que aqui se transformam em um passeio pela Cordilheira dos Andes com Shakespeare e muito mais. Escute aqui o podcast que gravamos para a Companhia das Letras.
Annie Ernaux é um monumento escavado em tempo real. A cada novo livro, os leitores se alvoroçam, não sem razão. Vencedora do Nobel, teve alguns lançamentos esse ano, mas “O acontecimento” é o melhor deles. A descrição crua do aborto feito na juventude é a narrativa das mulheres e da falência geral do mundo, ainda que uma força imensa brote entre os poros. Leiam.
v. Araras vermelhas, Cida Pedrosa
Falas curtas, Anne Carson [trad. Laura Erber e Sergio Flaksman]
Primeiro livro de Cida Pedrosa após ganhar o Jabuti de Livro do Ano por “Solo para vialejo”, “Araras vermelhas” é um mergulho épico na formação do Brasil através da guerrilha do Araguaia. Traz todas as marcas do livro anterior, e, quiçá, as expande. Cida já é um nome indispensável, esse livro ainda não fez o barulho que merece.
Anne Carson tem sua obra lançada no Brasil de forma gradual, mas cada novo livro, desde o espetacular “O método Albertine”, em tradução de Vilma Arêas, causa comoção. Como escreve bem. “Falas curtas” é composto de pequenos blocos, como o título já diz, e a tradução de Laura Erber e do saudoso Sergio Flaksman é ótima. Pontos extras para a Relicário, que fez uma edição bilíngue caprichadíssima.
Bonus tracks: [sem ordem de preferência]
Flâneuse, Lauren Elkin [trad. Denise Bottmann] [leia aqui minha entrevista com a autora]
interessante mistura de crítica literária com relato pessoal, investiga as mulheres na cidade. A parte de Tóquio é dispensável;
Quando deixamos de entender o mundo, Benjamín Labatut [trad. Paloma Vidal]
apesar do final constrangedor, o livro tem bons momentos ao ficcionalizar descobertas científicas;
Outra novelinha russa, Gonzalo Maier [trad. Reginaldo Pujol Filho]
delícia de história sobre um aposentado que vai a Moscou atrás do xadrez;
As três Marias no túmulo de Jan Van Eyck, Marcelo Ariel
ótima plaquete que saiu no Círculo de Poemas;
Memória de ninguém, Helena Machado
em seu primeiro romance, Helena mostra a que veio com uma investigação do luto e das agruras existenciais dos 30 e poucos anos, permeada por fluxos de consciência;
O jovem, Annie Ernaux [trad. Marilia Garcia]
livro mais recente da autora, não tem nem trinta páginas, mas vale pela crueza do relato de sua relação com um rapaz mais novo;
Marinheira de açude, Michelli Provensi
em sua estreia nos contos, Michi faz um mergulho pelo interior do sul do Brasil, tão brutal quanto bonito;
Preciso lembrar de tudo, Luiza S. Vilela
a estreia da poeta capixaba é um misto de descontração e formas fixas para falar dos jovens dos anos 2000, delícia demais;
Tatear os destroços depois do acidente, Otávio Campos
um longo poema-ensaio sobre a face mais brutal da imagem, aquela que todo mundo consome e não admite, ou não confronta como deveria;
Ondula, savana branca, Ruy Duarte de Carvalho
belo livro do poeta moçambicano, publicado pela primeira vez no Brasil pelo Círculo de Poemas;
O pai do artista, Daniel Arelli
Outra baita plaquete do Círculo de Poemas;
OS MELHORES LIVROS LIDOS EM 2022, MAS PUBLICADOS EM OUTROS ANOS
os livros a seguir não estão em ordem de preferência, mas na ordem em que foram lidos.
A paixão segundo G.H., Clarice Lispector
Um homem só, Christopher Isherwood [trad. Débora Landsberg]
A grande arte, Rubem Fonseca
Dia garimpo, Julieta Barbara
Parque industrial, Pagu
Mãos, Sarah Valle
A estrela sobe, Marques Rebelo
Com armas sonolentas, Carola Saavedra
Ruídos, Edimilson de Almeida Pereira
O carro do êxito, Oswaldo de Camargo
Um beijo por mês, Vilma Arêas
Por escrito, Elvira Vigna
A tempestade, William Shakespeare [trad. José Francisco Botelho]
Os invisíveis, Tino Freitas e Odilon Moraes
O parque das irmãs magníficas, Camila Sosa Villada [trad. Joca Reiners Terron]
Monodrama, Carlito Azevedo
TODOS OS LIVROS LIDOS EM 2022
1. A paixão segundo G.H., Clarice Lispector
2. Um homem só, Christopher Isherwood
3. A grande arte, Rubem Fonseca
4. Tudo que eu pensei mas não falei na noite passada, Anna P.
5. Belo mundo, onde você está, Sally Rooney
6. Luxúria, Raven Leilani
7. O leilão do lote 49, Thomas Pynchon
8. Gótico nordestino, Cristhiano Aguiar
9. Macala, Luciany Aparecida
10. Dia garimpo, Julieta Barbara
11. O ar que me falta, Luiz Schwarcz
12. Vento sudoeste, Luiz Alfredo Garcia-Roza
13. Parque industrial, Pagu
14. Noite de São João, Natália Agra
15. Mãos, Sarah Valle
16. Guia de sobrevivência da educação inovadora, Caio Dias
17. O primeiro voo, Mariano Marovatto
18. O meu amante de domingo, Alexandra Lucas Coelho
19. As três Marias no túmulo de Jan Van Eyck, Marcelo Ariel
20. Potlach, Guilherme Gontijo Flores
21. O acontecimento, Annie Ernaux
22. Os coadjuvantes, Clara Drummond
23. Outra novelinha russa, Gonzalo Maier
24. Dança para cavalos, Ana Estaregui
25. Segunda casa, Rachel Cusk
26. Engenheiro fantasma, Fabricio Corsaletti
27. Brincadeira de correr, Marcella Faria
28. A estrela sobe, Marques Rebelo
29. Casa dos ossos, Prisca Agustoni
30. Oscarina, Marques Rebelo
31. Eva, Nara Vidal
32. Preciso lembrar de tudo, Luiza S. Vilela
33. Uma dor perfeita, Ricardo Lísias
34. Peixe estranho, Leonardo Brasiliense
35. Quando deixamos de entender o mundo, Benjamín Labatut
36. Toda terça, Carola Saavedra
37. Robert Cornelius, fabricante de lâmpadas, vê alguém, Carlos Augusto Lima
38. Com armas sonolentas, Carola Saavedra
39. Um quarto é muito pouco, Carola Saavedra
40. Diquixi, Edimilson de Almeida Pereira
41. A água é uma máquina do tempo, Aline Motta
42. A consulta, Katharina Volckmer
43. Sismógrafo, Leonardo Piana
44. Meu pequeno dicionário necessário, Heli Oliveira
45. Política, Ricardo Tiago Moura
46. Ruídos, Edimilson de Almeida Pereira
47. O jardim de cimento, Ian McEwan
48. O vampiro de Curitiba, Dalton Trevisan
49. O crepúsculo do mundo, Werner Herzog
50. Pintou capivara, Chacal
51. Humanos exemplares, Juliana Leite
52. Os óculos de ouro, Giorgio Bassani
53. O carro do êxito, Oswaldo de Camargo
54. Faroestes, Marçal Aquino
55. Eu sou a monstra, Hilda Hilst e Ixchel Estrada
56. 30 poemas de um negro brasileiro, Oswaldo de Camargo
57. Ondula, savana branca, Ruy Duarte de Carvalho
58. O poder e a lei, Michael Connelly
59. Sair da piscina, Victor Squella
60. Solitária, Eliana Alves Cruz
61. O veredito de chumbo, Michael Connelly
62. Vista do Rio, Rodrigo Lacerda
63. O silêncio de todo dia, Dauana Vale
64. Receitas de guerrilha do mundo maravilhoso de Larica Total, Paulo de Oliveira
65. Icarahy, Livia Garcia-Roza
66. Goya, a linha de sutura, Vilma Arêas
67. Diorama, Carol Bensimon
68. A vida futura, Sérgio Rodrigues
69. Flâneuse, Lauren Elkin
70. Rastros, Prisca Agustoni
71. Fim de verão, Paulo Henriques Britto
72. Vinco, Manoela Sawitzki
73. Outras palavras – seis vezes Caetano, Tom Cardoso
74. Lançar mundos no mundo: Caetano Veloso e o Brasil, Guilherme Wisnik
75. Alegria, alegria, Caetano Veloso
76. Eu sou o monstro que vos fala, Paul B. Preciado
77. Um beijo por mês, Vilma Arêas
78. Agora agora, Carlos Eduardo Pereira
79. Por escrito, Elvira Vigna
80. Ela se chama Rodolfo, Julia Dantas
81. A vergonha, Annie Ernaux
82. Memória de ninguém, Helena Machado
83. O voo dos anjos, Michael Connelly
84. Rua maravilha tristeza, Frederico Klumb
85. Dívida de sangue, Michael Connelly
86. Os Malaquias, Andréa del Fuego
87. Dentes, Domenico Starnone
88. Este é um livro sobre amor, Paula Gicovate
89. Estesia, Cida Pedrosa
90. A tempestade, William Shakespeare
91. O manto da noite, Carola Saavedra
92. [Livro inédito]
93. A pedra da loucura, Benjamin Labatut
94. Vila Sapo, José Falero
95. Araras vermelhas, Cida Pedrosa
96. Via Ápia, Geovani Martins
97. Mais escuro que a noite, Michael Connelly
98. O pai do artista, Daniel Arelli
99. Os invisíveis, Tino Freitas e Odilon Moraes
100. O jovem, Annie Ernaux
101. Alma corsária, Claudia Roquette-Pinto
102. Marinheira de açude, Michelli Provensi
103. O parque das irmãs magníficas, Camila Sosa Villada
104. Rainhas da noite, Chico Felitti
105. O antigo futuro, Luiz Ruffato
106. Rio pequeno, Floresta
107. [Livro inédito]
108. Bakken, Julia Barandier
109. Falas curtas, Anne Carson
110. Monodrama, Carlito Azevedo
111. Não fossem as sílabas do sábado, Mariana Salomão Carrara
112. Também guardamos pedras aqui, Luiza Romão
113. O pensamento hétero e outros ensaios, Monique Wittig
114. As guerrilheiras, Monique Wittig
115. Tatear os destroços depois do acidente, Otávio Campos
116. A história invisível, Sofia Nestrovski
Como não ler, com uma companhia dessas?
Concordo que a parte de Tóquio de Flaneuse era dispensável. Pra mim só mostrou que ela não estava aberta a andar em Tóquio (porque eu andei muitos km por Tóquio) refletindo sua insatisfação com o relacionamento que ela passou pra cidade
Que lista boa! Amei “Segunda Casa” também, mas pouco se falou dele. Adorei a entrevista.