Chego na praia. Não há barracas na orla, pelo menos onde costumo ficar. Decido ir em direção aos quiosques. Há duas tendas na areia.
Um homem faz caipirinha, outro observa.
— Quanto tá a cadeira?
— Vinte reais — diz o sujeito, a mão suja e úmida.
— Vinte? Pô, aí você me quebra.
Ele aponta para o pôster atrás de sua cabeça.
— É tabelado.
— Na Fátima eu pago cinco.
O outro homem olha em direção ao Arpoador, tudo vazio, e sorri:
— E cadê a Fátima?
Me despeço. Na barraca seguinte o sujeito quer me cobrar 15. Uso o mesmo argumento.
— Vou te fazer por dez.
Hesito. Depois aceito.
Escolho um ponto na beira da água, mas não o suficiente para a maré subir e levar minhas coisas. Estou de frente para um quiosque mais ou menos badalado, e turistas compram picolés, cangas, caipirinhas. O céu se divide: do mar em diante é azul-bebê, com pequenas nuvens; da cidade para trás, e rumo à zona oeste, densas nuvens furadas por um canhão de luz numa fresta.
Leio meu romance como quem torce para a chuva não vir. O site da previsão do tempo disse que a probabilidade era de vinte por cento.
Espero.
De repente, um menino se afoga. As pessoas recuam da água como um espasmo de horror coado pelo céu parcialmente azul, nuvens rajadas, um brilho diamantino na direção do Leblon.
O salva-vidas entra de sunga e regata vermelha. Fura uma onda pequena, avança três metros, ajuda a tirar o menino de cabelos loiros artificiais. Visto da areia, não parece tão longe, mas as valas são traiçoeiras. Lentamente, algumas pessoas vão entrando de volta, muitas saem e o mar torna a ficar vazio.
Um barco singra perto das Cagarras. Sua vela é alta e branca, faz um contraste bonito com o marrom hachurado das pedras. A ilha mais distante é encoberta no topo por uma nuvem. E se um vulcão estourasse aqui, agora?
Duas meninas conversam na beira. Um casal de meia-idade pula marolas um pouco antes. Uma mulher faz selfies e brinca com eles. As duas meninas conversam. São adolescentes. Penso em Lucia Greco, de “White Lotus”.
Três jovens tiram fotos sensuais. O cabelo de uma delas bate na bunda, que está empinada em um microbiquíni. Um branquelo de bermuda azul-claro escrito Rip Curl em letras gigantes, claramente turista, se aproxima. E mais outro. Os cinco formam um grupo. Conferem as fotos que as garotas tiraram.
O sol começa a baixar — agora arde mais, o fogo tem consciência do fim de seus poderes — e a orla está salpicada de neblina, respingos flutuantes, prédios encobertos.
Um sujeito de calção preto e blusa e boné laranjas passa aos gritos, imitando o sotaque portenho: empanadas argenti-naaas!
O mar parece recuado. Há um declive razoável entre o grande platô de areia e a água. Duas argentinas jogam vôlei na beira. Me pedem para olhar suas coisas e o faço sem problemas. Há uma placa colada numa estaca, que o salva-vidas botou enquanto conversava com um grupo de mulheres.
Um garoto de blusa de surfista vermelha entra no mar e decide mergulhar diante de uma parede que vem com tudo. Não dá tempo. A onda estoura na sua cara. Minutos depois, ele sai como se o impacto tivesse acontecido há trinta anos.
Na minha reta, a uns seis metros, um rapaz permanece sentado sobre seu equipamento de mergulho. A sunga é azul-escuro e parece daquelas antigas, dos anos cinquenta. Marca o volume. O rapaz é magro e tem uma tatuagem que vai do tornozelo às coxas. Seus braços são finos, da boca saem dentes protuberantes.
Mais tarde, quando ele tiver sumido, uma família terá armado uma barraca de camping bordô no mesmo local em que ele se sentava — a mulher de short jeans e biquíni cor de rosa está de pé, cabelo preso num coque, braços na cintura.
Penso no rapaz. Crio uma história. Invento narrativas que nunca se concretizarão — não é assim com a vida, com as pessoas? Expectativas inverossímeis, apostas no escuro, lapsos momentâneos de sanidade.
Olhar o mundo também é conservar a sensatez.
Mas qual?
Uma tarde.
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É isso. Semana que vem talvez tenha mais.
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Beijos e até a próxima ❤️
Terraleste #80 | Um afogamento
oi M.
só queria dizer que tenho acompanhado seus textos desde que você entrou no substack e tenho adorado, abs
Curti e foi muito!