Semana passada o disco “Houses of the holy” completou 50 anos. Não me lembro a primeira vez que ouvi Led Zeppelin, mas até 2010 tinha sido só “Stairway to heaven” e que tais. Naquele ano novo, 2011 rompendo numa festa à beira da praia no Arpoador, eu e meu pai entabulamos uma conversa sobre rock, que eu começava a curtir em doses acima do normal. Ele, que havia sido vocalista de uma banda de heavy metal nos anos 1990, cabelão na cintura, me deu umas dicas: ouvir The Who, Led Zeppelin, The Doors. Eu já conhecia tudo por alto. Meu pai disse títulos, discos, nomes de membros. Naquele primeiro dia de 2011, abri o LimeWire — sdds — e baixei tudo que vi pela frente.
Tenho uma vaga memória de “Black dog” e “Whole lotta love” terem sido as primeiras músicas que ouvi e curti, afinal eram as mais famosas. Tudo que lembro, hoje, é de 2013, mergulhado num caos sufocante, quente, ouvir “The song remains the same” como se minha vida dependesse disso. E dependia. Em 2023, as coisas estão mais claras em muitos pontos, mas ainda escuto essa música como quem agradece aos céus por uma ponte direta com o divino. É uma sensação limítrofe, quase que saio de mim — a virada de John Bonham antes do segundo refrão é coisa de maluco —, mas tudo fica no lugar. Ou quase.
“Houses of the holy” foi lançado na esteira de “Led Zeppelin IV”, o último dos discos sem título — sendo que esse de fato não tinha título, nem nome da banda na capa, nada, apenas a figura do velho e um punhado de sucessos incontornáveis. Uma aposta, portanto, que considero o melhor disco do Led. A abertura com a trinca “The song remains the same”, “The rain song” e “Over the hills and far away” é um feito invejável para quem já tinha cometido “Black dog”, “Rock and roll” e “The Battle of Evermore”. A segunda faixa de “Houses”, inclusive, é minha preferida. Do disco e da banda. Quiçá top 5 músicas preferidas da vida. Uma balada composta por encomenda torta de George Harrison, que disse que o Led não tinha algo assim. Uma faixa espiritual, quase, com os melhores vocais de Plant e John Paul Jones provando por que era — ainda é — a cola que mantém a nave no ar.
Mas por que escrevo isso?
A adolescência foi um período difícil — para quem não é? —, ouvir Led Zeppelin me devolvia aos eixos ou ao menos me fazia aderir à vida sem querer escapar, sair voando por aí. Era como se tudo fizesse sentido.
Em breve vou defender um mestrado sobre o “Transa”, de Caetano Veloso, e penso que também, hoje, ele é uma das pessoas que me fazem aderir ao sentido da vida. Eu não seria queer, não binária, se não soubesse, por exemplo, que houve gente como Caetano, lá nos anos 1970, que também flertou com essa identidade. Uma mensagem muito nítida dizendo: É possível.
Penso na liberdade.
Millôr dizia que liberdade é inegociável, não existe nenhum grau, mas não é assim. Ou talvez exista uma gradação ao longo do tempo. Hoje, por exemplo, sou muito mais livre do que na adolescência. A gente é livre tanto quanto pode sê-lo. E uma liberdadezinha diante da liberdadezona do Fulano ou Beltrano é capaz de mover mundos. Nosso mundo. Importante é se desamarrar.
M. diz que o Fluminense tomou gol. Estou na rua e paro de pensar no que escrever na newsletter, compro uma cocada do homem sorridente atrás do metrô, e descubro que ele mora no morro atrás, enquanto lembro da adolescência, as idas ao estádio, o Fluminense como fuga. Era o único ponto de contato com as pessoas da minha turma. As que também torciam pro Flu. Volto a 2008 e me pergunto se também lá havia dois torcedores do Arsenal que, diante do 6x0 aplicado sob o comando de Dodô, consideravam um absurdo aquela partida. Se eles se sentiam como M. e eu nos sentíamos agora.
Chego em casa e o Flu empata.
Penso em Robert Plant. Na alegria.
Penso em Nápoles, 2016, quando estava em Roma e meu pai, outro, topou dirigir até a Arena Flegrea para que eu visse aquele homem rugir Led Zeppelin diante de uma multidão comportada, em vestidos longos, pessoas respeitáveis da sociedade napolitana indo a um show de rock. Foi demais pra mim. O vídeo no YouTube não mostra, ou mostra pouco: a certa altura, no bis, antes de “Whole lotta love”, um jovem se levanta nas primeiras filas, cansado da calma, arranca a camisa que mandou fazer, escrito “Upon us all a little rain must fall”, e começa a girar ela no ar; os seguranças, um em cada ponta, correm, mas não a tempo de evitar a descida da multidão e os olhos arregalados de Plant. Agora sim é um show de rock. Se você olhar o vídeo, só vai me assistir girando a camisa. Me contento com isso.
Penso em Caetano. Penso no filho que minha amiga espera. Na filha. Em como a música e a arte são capazes de definir uma vida. O sagrado.
23h08. O Fluminense faz 3x1. De virada.
If you look from your window at the morning star — I said it’s alright, you know it’s alright, I guess it’s all in my heart.
Em 2015, no Rio, Robert Plant abriu com “No quarter”. Quase tive um troço.
É isso. Semana que vem talvez tenha mais.
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Beijos e até a próxima ❤️
Curti e foi muito. Que texto mais delicia!
Que texto mais lindo! Li ouvindo The rain song e to chorando enquanto tomo meu café da manhã. Você colocou em palavras muitos dos sentimentos que eu tenho em relação à música e à arte, de forma geral, e não tinha conseguido sintetizar tão bem assim! 🥰